LIVRO BOM, PERSONAGENS “RUINS”

Um dos grandes fatores que fazem um livro ser bom são os personagens! Além de ser bem construídos, ser o tipo de personagem com que o leitor se identifica ou por quem sente simpatia é um grande passo no processo de gostar de uma história. E geralmente, quando não gostamos dos personagens, quando não nos identificamos ou quando não somos capazes de simpatizar com eles, isso afeta muito a nossa relação com a história.

Mas esse não é o caso do clássico O Morro do Ventos Uivantes. Esse livro divide muito as opiniões, pois é tudo ou nada. Ou você gosta ou não gosta. Mas, acredito que tanto aqueles que gostaram, quanto os que não gostaram tem uma opinião semelhante pelo menos no que se refere aos personagens principais: Catherine e Heathcliff.

Os dois, principalmente Heathcliff, são personagens que não conquistam o leitor. Então como o livro pode ser bom mesmo assim? Acredito que neste caso, o fato de esses personagens não serem exatamente o padrão de amantes que gostamos de acompanhar tenha contribuído muito para o sucesso da obra.  

Heathcliff é uma pessoa cruel, amargurada e impiedosa. No decorrer do livro acompanhamos sua história desde criança e vemos que ele realmente sofreu muito, e ao se tornar adulto, carregou consigo toda a amargura que juntou desde seus anos de menino. Ele não foi capaz de superar e se concentrou em se vingar, mesmo que a vingança recaísse sobre inocentes. Além disso o amor que sentia por Cathy e que ele pensou ter sido rejeitado, o tornou mais amargo ainda.  

Catherine, por sua vez, era egoísta, dada a ataques de nervos e não pensava muito além do que se referia a ela mesma. Também amava Heathcliff, mas acreditava que seria melhor não se entregar a esse amor.

Os anos não foram capazes de apagar o sentimento, e o sentimento não foi capaz de tornar Heathcliff e Cathy pessoas melhores. A forma como Emily Brontë retrata um lado diferente de um sentimento tão bonito é o que torna o livro tão bom. Estamos acostumados a ler romances onde o amor desperta o melhor nas pessoas e mesmo que seja uma tragédia romântica, ainda assim os protagonistas se entregam ao lado bom do sentimento.  

Mas em O Morro dos Ventos Uivantes, vemos uma realidade diferente, um amor tão misturado a raiva e amargura que acaba sendo sufocado e ao invés de brilhar, deixa tudo sombrio, afetando não apenas os amantes, mas todos a sua volta.

Heathcliff nunca foi capaz de se libertar dos terrores que o afligiam assim como nunca deixou de amar Cathy, viveu uma vida vazia, preenchida apenas pela vingança e raiva que ele nutria por aqueles que o fizeram sofrer quando mais jovem, mas nada lhe trazia satisfação. O amor não o curou e nem o mudou.  

Não é singular um livro que trata de um romance tão intenso, mas de forma tão diferente do que estamos acostumados? Quando pegamos um romance para ler, inegavelmente esperamos um final feliz, um amor arrebatador e brilhante. Esperamos sentir o amor que nasce entre os personagens, nos emocionar e desejar viver um amor como aquele. Mas Emily Brontë mostrou um outro lado, um lado mais sombrio que nos faz sentir a intensidade do sentimento, mas que não nos cativa por inteiro. Onde não vemos o brilho usual do amor, mas apenas uma atmosfera sombria e lúgubre que gira em torno dele.

Uma mistura intensa de sentimentos bons e ruins permeia toda essa história e a leitura é intensa. Mesmo não sendo os modelos de personagens dos quais gostamos, a história é tão bem escrita e contada que nos enlaça e nos faz sentir um turbilhão de emoções contraditórias, e é claro, nos faz refletir sobre como o mais puro dos sentimentos, também pode ter um lado escuro.

E assim, esse livro se tornou um dos meus favoritos, pois foi capaz de provocar uma mistura enorme de sentimentos em mim enquanto eu lia. Mesmo com personagens que não me cativaram, eu pude sentir cada emoção que a autora desejava retratar.

Vale a pena dar uma chance para esse clássico se você ainda não leu!